É fascinante a constatação do singular estoicismo do sesmeiro FRANCISCO MARTINS RORIZ, que no silêncio cheio de mistérios daquelas inóspitas matas se atirou com largueza pelos sertões adustos, atravessando a vastidão da serra do Apodi, seguindo veredas indígenas, as quais alargava à golpes de facão, dando vida pela dor e pelo heroísmo a mundos novos, com sangue, suor e lágrimas fecundando o fértil solo da antiga "Serra do Campo Grande". Não resta dúvida de que enfrenta um dilema: Prosseguir ou recuar. Obteve a patente de Sargento-Mór e os necessários privilégios para desbravar e colonizar aquele recanto ameno, no silêncio repleto de sol. Foi neste cenário que por volta do ano de 1820 se instalou naquele reconfortante reduto o não menos intrépido Capitão FRANCISCO AFONSO DE CHAVES MELO, irmão do famigerado Coronel ALEXANDRE JOSÉ LEITE DE CHAVES. Para configuração de liames genealógicos dos LEITE DE CHAVES E MELO na "Serra do Martins", transcrevo documento oficial - requerimento de abertura de inventário, datado de 23 de Abril de 1847:
" Dizem o Tenente Francisco Afonso de Chaves Mello, José Leite de Chaves Mello, João Quirino Afonso de Chaves Mello, irmãos, filho e neto do finado Capitão Francisco Afonso Leite de Chaves Mello; Que falecendo o pai e avô dos Suplicantes nesta Vila da Maioridade, em dias do ano de 1844 deixara alguns bens que em regra de Direito, devem ser partilhados com os Suplicantes neste Juízo de Órfãos, em consequência de haverem dois órfãos do finado João Leite de Chaves, Miguel e Antonia, menores de quatorze anos, muito pelo contrário até ao presente não se tem procedido dito inventário, no que tem dado motivo alguns extravios de bens, assim como um escravo de nome Joaquim, nação Angola, que o herdeiro Antonio Leite de Chaves e Melo, morador em Carateús, Província do Piauí, de poder absoluto dele se utilizou vendendo-o para a Cidade do Ceará, e nega trazê-lo à colação e ser partilhado entre os herdeiros, persistindo na contumácia de não dar em consequência de ser prepotente naquele lugar de diferente Província aonde jamais poderão os Suplicantes irem cobrar dito escravo, sofrendo assim prejuízos os miseráveis órfãos, porque sendo de suma responsabilidade dos Juízes de Órfãos acautelarem todo e qualquer prejuízo de órfãos como se vê na Ordenação.....Vem os Suplicantes requerer de Vossa Senhoria se digne mandar apreender ao escravo Antonio, fugitivo do herdeiro devedor Antonio Leite, o qual escravo se acha nesta Vila também requer que deveis assegurar o prejuízo por isso que sendo de poucos bens, de fato não irá caber em herança ao Suplicado talvez uma sexta parte do escravo vendido com isso será repartido pelos suplicantes órfãos que será de infalível prejuízo, a vista de que vem os Suplicantes pedir pelos órfãos seus sobrinhos requerer apreensão no dito escravo Antonio, até a decisão da partilha, posto em depósito na forma da Lei; Se passe Carta Precatória para a justiça da Vila de Piranhas aonde é morador Antonio José Leite, e Alexandre José Leite, herdeiros, para no termo de vinte dias contados do que forem citados, comparecerem neste Juízo da Maioridade para a fatura do inventário, com pena de se proceder à revelia, e como se ache na Vara o primeiro Suplente Francisco Emiliano Pereira, com legítimo impedimento de Cunhadio, se requer do mesmo que se averbando de suspeito, remeta o feito para o segundo Suplente o Capitão José Ignácio de Carvalho para prosseguir nos demais termos, portanto Pede a V.Sa. se sirva assim o deferir como requerido tem os Suplicantes. 23 de Abril de 1847."
E.R.R.J.
Francisco Afonso de Chaves Mello.
José Leite de Chaves Mello.
Joaquim Afonso de Chaves Mello.
João Leite de Chaves Mello.
Observe-se que no dia seguinte os mesmos Suplicantes replicaram em requerimento informando que é no domicílio do falecido pai que se acham a maior parte dos herdeiros. Em requerimento datado do dia 16 de Setembro de 1847 informa José Leite de Chaves e Mello que se acham ausentes em lugar incerto e não sabido os Coerdeiros descendentes de João Leite de Chaves e Mello, cujos nomes se ignoram, e os Coerdeiros Carolina, Rita e Violante, descendentes do herdeiro Manoel Álvares Afonso, e que requerem sejam os mesmos citados por Carta de Editos. Vejam que no texto acima afirma-se que CARATEÚS (atual Crateús-CE) fica encravada na Província do Piauí. Ocorre que o Ceará fez uma troca de Parnaíba com Cratéus, passando esta para o Ceará e Parnaíba para o Piauí. Tal troca deveu-se ao fato de que o Piauí pretendia ter em sua área territorial uma cidade que fosse litorânea, ou seja, situada à beira-mar.
Há uma minudência histórica sobre o fato que motivou a mudança de domicílio dos filhos de Manoel Álvares Afonso, de nomes ALMINO ÁLVARES AFONSO (Advogado), MINERVINO ÁLVARES AFONSO (Professor), DEOCLECIANO AFONSO RIBEIRO DE MENEZES (Advogado), que residiam na SERRA DO MARTINS, porém com exercício advocatício no Termo do Catolé do Rocha-PB. Ocorre que Minervino foi constituído advogado em Jericó, na Paraíba, de um desafeto de Jesuíno Brilhante conhecido como Sr. Cardoso. Ao saber do fato, Jesuíno passou a perseguir os irmãos AFONSO. Certo dia do mês de Agosto do ano de 1874 o advogado compôs uma escolta que tinha como objetivo prender os celerados Jesuíno Brilhante e Manuel Pajeú, homiziados em Jericó na casa do Professor Público Sr. Cavalcanti de Albuquerque. Vejamos o que diz a missiva enviada para o jornal "Mossoroense", que publicou em sua edição de 29 de Agosto de 1874: "...Foi descoberta a escolta - ao aproximar-se os assassinos Jesuíno e Pajeú sairam da casa, ao aproximarem-se os primeiros cavaleiros, que com o Oficial de Justiça lhes intimaram a prisão. Foi então que Jesuíno e Pajeú, reconhecendo entre esses da vanguarda ao distinto cavaleiro e ilustre Advogado Deocleciano Afonso que com grande valor cívico lhes bradou que se rendessem, desfecharam sobre ele dois cruelíssimos tiros que o deixaram varado de bala e chumbo, atirado do cavalo em terra, evadindo-se os celerados porque a tropa de paisanos, aterrada, não teve coragem de aproximar-se mais deles. O Dr. Deocleciano recuperou sua saúde, após intenso tratamento médico na Serra do Martins. O clima de terror passou a reinar na família AFONSO, dado as constantes ameaças dos bandidos Jesuíno e Manuel Pajeú. O cenário era aterrador, conforme carta publicada no "Mossoroense", edição de 04 de Outubro de 1874, pág. 03, sob o título "O DELEGADO DO CATOLÉ", cujo missivista revelou o insano ódio do Jesuíno aos irmãos Afonso: "...Todo o seu ódio, toda a sua folia, toda a sua indignação só tem por alvo aos honestos cidadãos Almino, Minervino, Deocleciano, e outros, nossos respeitáveis amigos, porque tem a esforçada coragem de enfrentar civicamente as demasias e vexames do tão enorme Delegado.".
Após as truculências sofridas por seus irmãos, Almino convenceu-os a mudarem suas residências para Fortaleza-CE, tendo antes comparecido à redação do "Mossoroense" para apresentar sua despedida. O certo é que o bravo ALMINO ÁLVARES AFONSO foi um dos baluartes no processo da abolição da escravatura em Mossoró, tendo proferido belos discursos no festivo dia da libertação geral, ocorrida no dia 30 de Setembro de 1883, sob a emblemática rubrica de ter sido a segunda cidade do Brasil a libertar os escravos cinco anos antes da famosa "LEI ÁUREA", assinada pela Princesa Isabel em 13 de Maio de 1888.
Casarão construído por José de Souza Martins Pereira, casado com Emilia Cândida de Souza, filha do mestre de latim
Por Marcos Pinto